quarta-feira, dezembro 13, 2006

Para alívio dos amigos que por consideração acompanham o Blog, o título do texto é: Última mensagem do ano.

Pensei muito, antes de batizar o Blog. A princípio minha idéia era buscar um nome que remetesse as questões vivenciadas por mim no cotidiano profissional, Meio Ambiente, Planejamento, Gestão de Lixo, Participação Política, coisas com as quais eu lido e prepotentemente creio conhecer, mesmo que pouco, algo a respeito.

Mais aí, depois de muito matutar, conclui que você, raro acompanhante do Blog, eu, nossa cidade, nosso mundo é muito plural e Diverso, e francamente, essa pluralidade do eu, do outro, do mundo, é que dá graça e estimula a todos nós, ajudando-nos a levantar todo dia e enfrentar as batalhas pessoais e coletivas do cotidiano, batalhas plurais, batalhas Diversas.

Por isso resolvi batizar o Blog de Diversitas, e também sejamos francos, isso me traria a possibilidade, e porque não ser ainda mais franco, o álibi de escrever a respeito do que me desse na telha.

Faz pouco tempo que iniciei o exercício da escrita nesse maravilhoso espaço virtual, e tenho colocado como desafio, encontrar tempo para dentre as inúmeras atividades do cotidiano, rabiscar um novo texto a cada semana, buscando trazer para a reflexão questões Diversas do nosso mundo, sob minha limitada ótica e capacidade de percepção.

Como o ano está acabando, as semanas finais vão ficando menores e ainda mais atribuladas, não sei se terei oportunidade de colocar um novo texto até o limiar do ano de 2006. Por isso, enlevado pelo espírito de Confraternização que envolve a todos nós nesse período, ou que ao menos deveria, não apenas em dezembro mas durante todos os dias de todos os anos de nossas vidas, resolvi escrever exatamente a respeito disso. Confraternização.

Primeiro pensei em escrever algo divertido, que narrasse as histórias engraçadas vivenciadas por todos algum dia, nas várias confraternizações que somos convidados e as vezes até intimados e constrangidos a participar no mês de dezembro, mas aí lembrei da maioria de nossa população que não é convidada muito menos intimada a participar de nada parecido. Momentos festivos, com comidas e bebidas à mesa, CD´s sendo trocados por agendas, canetas por gravatas, apertos de mão por sorrisos amarelos.

E lembrando disso resolvi adotar outra abordagem a esse que provavelmente será o último texto do ano, para alívio dos raros amigos que por consideração, lêem o que escrevo para carinhosamente, e por respeito a minha amizade tecer comentários normalmente entusiásticos. Resolvi buscar o significado mais amplo da palavra e o conceito mais universal do ato de confraternizar.

Resolvido isso, a princípio, como sou cristão tal qual a maioria de nós brasileiros, o que primeiro me ocorreu foi discorrer a respeito do aniversariante do mês, chamando à atenção os muitos cristãos que esquecem o que se comemora em dezembro, confundindo Jesus com Papai Noel.

Pensei em falar da mercantilização do aniversário do cristo, que numa estratégia capitalista dos americanos o transformou em Papai Noel, buscando aumentar suas vendas e lucros, convencendo a todos nós, incautos do capitalismo, que é preciso Confraternizar presenteando o próximo com algo material.

Pensei também em refletir a respeito da data definida como a do nascimento do Cristo, arbitrada pelo imperador romano Constantino, que numa estratégia política tornou o cristianismo a religião oficial do império romano, incorporando à "nova religião" dentre vários outros, os cultos pagãos do solstício, que eram em dezembro, ajudando a manter a unidade do seu império. Minha provocação seria a que Cristo nasce todos os dias, em vários lugares, no coração dos homens, independente das conveniências de Constantino ou do Papa Bento XVI.

Mas logo, relendo o que havia escrito até então, atentei ao segundo parágrafo do texto e pensei... Como posso num Blog chamado Diversitas escrever, refletir, enaltecer unicamente a figura do Cristo, mesmo sendo cristão (não católico) convicto ? E nossos irmãos dos cultos afro-brasileiros ? os budistas, xintoístas, hare krishnas ? os irmãos indígenas sobreviventes, que crêem, apesar da histórica expropriação dos seus valores religiosos e culturais, nos seus deuses que não são os meus, mas que numa análise mais aprofundada do processo cultural de formação do meu eu, brasileiro, de certa forma até o são ?

Mas ainda assim, mesmo diante do respeito a essa pluralidade, deixo aqui a referência a todas essas figuras, e me arvoro do direito de escrever sobre a experiência crística, mas não sobre o Cristo figura divina, apesar de crê-lo assim no meu íntimo, numa relação que só eu e ele entendemos, mas escrever sobre o cristo enquanto filósofo e exemplo de conduta moral, de amor e Confraternização, como também o foi Buda, Maomé, dentre vários outros.

Independente do exemplo moral que busquemos, seja em Jesus ou em outra figura histórica com sua envergadura moral, exemplo de amor, perdão, sacrifício pelo próximo, doação, fraternidade, há que se estabelecer uma referência a essas figuras buscando nelas o exemplo, e enxergando que nessa sociedade do ter, que estabelece entre nós a discórdia da disputa, da luta insana pelo sucesso, pelo acúmulo de bens, acúmulo das coisas que com o tempo perdem a cor, ficam velhas e apodrecem, se perde o essencial, que é como se vive, e o bem que na nossa curta passagem por aqui fazemos a nós, ao próximo e a coletividade.

O que quero trazer para a reflexão, é que precisamos resgatar a mensagem original do Cristo, desvirtuada no transcorrer dos séculos pela hipocrisia de parte da igreja católica, e de várias outras que a sucederam e ainda a sucedem, disputando a aflição e a salvação da alma das multidões de desprovidos de bens de toda natureza, materiais e espirituais.

Busquemos resgatar a mensagem original do cristo que nos fez tentar enxergar o ser humano integral. O ser que não dissocia os valores espirituais dos materiais, mas sem deixar um à frente do outro, sobretudo o material à frente do espiritual, o ter a frente do ser. Busquemos resgatar a mensagem do cristo de doação, de fraternidade, de amor, de perdão, de respeito à Diversidade, de partilha, de Confraternização.

Vamos confraternizar presenteando com os valores do que somos, não com o que temos, aí, se abrirá quem sabe, a oportunidade de Confraternizarmos verdadeiramente, como fez o cristo, com os que têm, e principalmente com os que não têm, podendo então trocar presentes com quem nada tem a dar em troca, a não ser um sincero sorriso, um simples obrigado, ou até quem sabe uma lágrima de comoção e alegria.

O momento festivo é muito bom e também faz muito bem a alma, pois quase sempre é engraçado, arrancando gargalhadas de todos diante dos embrulhos misteriosos e das definições que se faz a respeito do presenteado antes da entrega dos presentes, e por isso penso que devemos, nós privilegiados, continuar a trocar canetas por CD’s, gravatas por perfumes, mas vamos avançar seguindo o exemplo do Cristo e fazer muito mais que isso, vamos trocar também sorrisos, afagos, palavras amáveis, carinho, atenção, fraternidade, perdão, amor, quem sabe um forte e verdadeiro abraço de amigo, de irmão, a um amigo ou a um estranho, mesmo que não recebamos canetas, CD’s, gravatas ou perfumes, mesmo que não recebamos nada em troca, resgatando aqui outra mensagem do Cristo que recomenda a “doar sem esperar recompensa”. Esse para mim é o verdadeiro sentido de Confraternizar, por isso convido a todos, vamos nos Confraternizar verdadeiramente, sempre.

Saudações ecológicas e um 2007 de muita Paz.

Ricardo Sérgio


terça-feira, dezembro 05, 2006

Catadores de Cidadania

Essa semana conversando com uma colega sobre uma problemática vivenciada por mim durante muito tempo por força da minha atividade profissional, e que sempre, e ainda me deixa indignado, resolvi rabiscar algumas linhas a respeito.

A questão dos catadores de lixo dos lixões. Trabalhei por dois anos no lixão de Aguazinha em Olinda e mais dois anos no lixão da Muribeca em Jaboatão dos Guararapes, região metropolitana do Recife, destino de todo o lixo produzido pelas cidades de Recife, Jaboatão e Moreno, algo em torno de 2.2 milhões de habitantes, perfazendo um total aproximado de 2.600 toneladas de lixo despejadas diariamente naquele local, 72 mil toneladas todos os meses. Além disso, viajando também por força do trabalho, conheci os maiores e principais lixões do Brasil, BR-040 em Belo Horizonte, Gramacho no Rio de Janeiro, Salvador, Aura em Belém, dentre vários outros.

E a convivência diária com a dura realidade vivenciada pelas hostes de sofredores que retiram desses lugares sua subsistência, transformou minha vida, me fazendo ver diversas coisas, senão quase tudo, de outra maneira.

Hoje estima-se que existam mais de 400.000 catadores sobrevivendo quase como animais, das sobras da sociedade, nos mais de 5.000 lixões espalhados pelo Brasil, dados antigos, pois pouco se estudou a respeito nos últimos anos, sendo o repositório mais confiável de informações a respeito, o Projeto Cidades do IBGE.

E aqui começa a provocação. Vamos fazer uma reflexão e pensar no quanto é injusta e cruel à sociedade brasileira com a maioria da sua população de desvalidos, sobrevivendo abaixo da linha de pobreza com menos de R$ 150,00 reais por mês, aí os números divergem, se fala em 35 milhões, alguns falam de 75 milhões de pobres, às vezes com uma frieza estatística como se por trás desses números não existissem pessoas.

Agora imaginemos, que se já é um enorme desafio sobreviver nessa injusta sociedade, violenta, onde falta educação, saúde, infra-estrutura, distribuição de renda, enfim, cidadania, o que dizer dos que sobrevivem dos restos dessa sociedade, dos que buscam o sustento do que essa podre sociedade considera podre, sobrevivendo daquilo que é colocado na condição de lixo, daquilo que não lhe presta, que é rejeito, daquilo que não mais lhe serve, podre sociedade.

É preciso abrir os olhos a essa grave e enorme questão. Temos vivendo nas nossas grandes, modernas e tecnológicas urbes, verdadeiras tribos, com costumes, hábitos, dialetos, valores éticos e morais absolutamente diferentes. Não exagero nas palavras nem os coloco, catadores, em situação humana menor, apenas constato o que vi e vivenciei. Aqueles que discordarem que busquem a experiência da convivência com esses grupos.

São inúmeras tribos de catadores de lixo e cidadania, que vivem inteiramente a margem da sociedade, não se enxergando, o que talvez seja o mais grave, como parte da mesma, pois na lógica dessas tribos, direitos a educação, saúde, água tratada, documentação, saneamento, moradia, não são direitos para eles, são para os outros, são coisas abstratas, sequer sonhos.

Sei que a maioria do povo brasileiro, aí voltamos para os números, 35 ou 75 milhões de pobres, também sonham esses sonhos, mas ao menos sonham, e dessas pessoas, junto com a cidadania direito de todo brasileiro, roubaram até o direito de sonhar, pois tudo isso para eles, cidadania e sonhos, é para os brasileiros, outro povo, estranho, com outras lógicas, valores e padrões comportamentais.

Até quando vamos nos calar e continuar cegos a isso. Reconheço que algo tem sido feito. Conheço dezenas de projetos, na sua maioria de instituições da sociedade civil, que se mostra indignada com os cenários dantescos tão bem retratados pelo artista Sebastião Salgado, que com sua capacidade impar registrou em fotografias essa realidade, mas é preciso muito mais.

Precisamos reconhecer as iniciativas como as do Fórum Lixo e Cidadania, do qual tive o orgulho de fazer parte nos primórdios de sua constituição, com o apoio imprescindível do UNICEF, mas há que ser feito um mutirão da sociedade capitaneado pelo poder púbico, que estabeleça políticas públicas inclusivas para esses irmãos jogados literalmente no lixo pelo status quo dominante.

Soma-se a isso a questão ambiental. O aspecto da economia ambiental que a eliminação desses infernos proporcionaria para a sociedade, uma vez que a implementação através de políticas públicas governamentais, de teorias como as dos 4Rs, Repensar, Reduzir, Reutilizar e Reciclar, demandaria menos insumos e menor exploração dos recursos naturais.

Por isso conclamo ! Industriais, empresários, empreendedores de visão, abram os olhos, pois tudo isso pode ser uma enorme e inesgotável fonte de geração de lucro, pois todos geramos, eu, você, os mais de 180 milhões de brasileiros, todos os dias, quase um quilo de “lixo”, e é possível auferir grandes lucros desse inesgotável negócio, ancorado nos princípios da sustentabilidade.

Outra questão é que precisamos ficar atentos ao exemplo de Olinda, e de inúmeras outras cidades brasileiras, pois logo não vai mais haver espaço físico para a construção de novos aterros. E aí ? Onde vamos criar mais cemitérios de riqueza, que é como eu vejo os aterros e lixões.

Para concluir, apesar da relevância da questão ambiental, bandeira que abracei desde sempre, e que a tragédia da falta de políticas públicas para o setor vem perpetrando ao patrimônio natural brasileiro, comprometendo a qualidade de vida das futuras gerações, para mim a questão mais grave e que se faz mais urgente, é a do homem, é a do catador, é a das milhares de crianças que tem roubadas suas infâncias e negados seus futuros.

Não diria que a missão é resgatar a cidadania dessas pessoas, pois para mim é muito claro que o desafio é maior, é necessário um processo de instituição dos conceitos de cidadãos para essas pessoas, porque a eles tudo foi sempre negado, e aí então, em um mutirão que mobilize governos e sociedade, estabeleceríamos através de políticas públicas governamentais, com a participação do setor produtivo, um processo real de inserção desses irmãos, fazendo com que se vejam como gente, como brasileiros, iguais mesmo que pobres, como os 35 ou 75 milhões das estatísticas, mas gente, como a gente.

Com a palavra Manuel Bandeira

“Vi ontem um bicho,
Na imundície do pátio,
Catando comida entre detritos,
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava,
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho,meu Deus, era um homem”