quinta-feira, março 08, 2007

Infâncias Roubadas...

Ontem como de costume, no trajeto até o trabalho me deparei com uma realidade cotidiana que por mais cotidiana que me seja, sempre me choca e me indigna. A realidade das dezenas de crianças mendigando moedas nos semáforos, das milhares de crianças que tem cotidianamente suas infâncias roubadas.

Mas ontem em especial algo me comoveu e mexeu comigo ainda mais, muito além do que me comove e me revolta todos os dias quando deparo com essa cruel realidade. Ontem, dentre as várias crianças que perambulavam entre os carros em busca de uma moeda que pudesse servir de lenitivo a sua fome, havia uma criança com um sorriso e um olhar diferente, ou talvez meu olhar estivesse diferente à questão no dia de ontem, não sei.

Apenas sei que aquele sorriso diferente, diferente dos outros de todos os dias, talvez até na mesma face, me desafiou a mais uma vez refletir a respeito desse problema que sempre me inquieta. Mas dessa vez essa inquietude me fez ir além, me fazendo partir para o insistente exercício da escrita nesse espaço virtual. Dessa vez, minha inquietação me fez buscar com vocês companheiros de Blog e de indignação a reflexão a cerca dessa questão, me fazendo ponderar a cerca do que eu tenho feito, do que nós sociedade temos feito e poderíamos fazer no sentido da erradicação dessa mazela além de dar esmolas. Que me perdoem os sociólogos e assistentes sociais de plantão, mas eu me declaro sem nenhum constrangimento um doador de esmolas.

Tenho a convicção e clareza de que pouco contribuo com esse ato, tanto que procuro sempre me engajar em desafios que busquem esse enfrentamento de forma mais sistêmica e estruturadora, mas a esmola para mim é uma questão pessoal, íntima, dogmática, e que me critiquem os que quiserem, a mim e a Dom Helder Câmara que também era um adepto do óbulo aos necessitados.

E além do mais, numa análise conjuntural e mais profunda há que se considerar que diante da gravidade e da enormidade do problema, tudo o que a sociedade tem feito na verdade, não passa de esmola, as vezes moral, as vezes material, mas ainda esmola, quase sempre compensatória, quase sempre no sentido de aliviar seu sentimento de culpa diante do próprio imobilismo.

E essa inquietação que me tomou, me faz questionar até quando seremos, nós sociedade brasileira, ladrões de sorrisos, ladrões de infâncias.

Acho inclusive que o crime de roubo de infâncias deveria ser enquadrado na Lei de Crimes Hediondos, pois nada há mais hediondo que se roubar o sorriso e a alegria de uma criança, nada mais hediondo que se roubar a oportunidade do crescimento de um adulto completo, de um ser integral, pois que sem essa fase fundamental da vida, nos tornamos algo que não humano, um arremedo de gente, que não aprendeu a sorrir, pois é lá, na infância que se aprende algo tão fundamental.

E em se enquadrando como um crime hediondo, uma punição severa deveria recair sobre os que perpetram tão abominável crime contra a humanidade, pois o intangível que se rouba nesse caso, é raro, precioso, único, tão importante e fundamental quanto o cálcio contido no leite necessário ao bom crescimento ósseo de nossas crianças, quanto o ferro contido no feijão, base de nossa alimentação, quanto as proteínas das carnes tão raras na maioria das mesas brasileiras, pois tanto quanto tudo isso, indispensável a sobrevivência do corpo, o ser para ser humano, precisa de sorrisos, de alegria, de ser criança um dia, precisa das coisas da infância para se construir adulto, para se construir humano.

Quando lhe faltam os nutrientes do corpo quase sempre se cresce um adulto raquítico , frágil, despreparado para as lutas cotidianas, para a competição infligida pela insana luta pela sobrevivência desse mundo mercantilista.

E quando lhe falta a alegria de ser criança ? Os sorrisos e as descobertas inerentes a essa fase da vida ? O lúdico, os sonhos ? Que deficiências do caráter e da alma vão aflorar nesse adulto ? Quais raquitismos morais e éticos se farão presentes nessa pessoa.

E aí reitero a reflexão. Até quando nós, sociedade brasileira, vamos continuar a roubar impunemente os sorrisos das faces de nossas crianças ?

Reconheço que avanços houveram a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente. Reconheço que algo se tem feito, sobretudo pelas instituições da sociedade civil e por instituições como o UNICEF/UNESCO, pouco pelos governos e legisladores, mas uma distância abissal ainda separa essa dura realidade do sonho de não termos mais crianças nas ruas, nos lixões, sobrevivendo em favelas, fora da escola, desnutridas, agredidas, agressoras, violadas, violentas, assassinadas e assassinas, traficantes e vítimas do tráfico, assaltantes e assaltadas nos seus direitos básicos e fundamentais, no seu direito de ser criança, como se criança não fosse, como se fossem adultos que não tiveram infância e se tornaram em algo que não humano, num arremedo de gente, muitas vezes cruel, fria, desumana, que desrespeita a tudo e a todos e desafia a sociedade rumando para a marginalidade, que não sabe amar porquê desconheceu o que é ser amado quando criança, que não sabe sorrir porquê não aprendeu a sorrir quando criança.

Quem de nós, privilegiados que tivemos infância não lembra dos momentos mágicos e únicos vividos nessa etapa de nossas vidas ? Dos sonhos, alegrias, descobertas, aventuras, brincadeiras e músicas que povoam nossas memórias mais doces, amizades sinceras... Quem não tem uma boa recordação de sua infância ?

No instante que se discute a redução da maioridade penal, acho que seria mais prudente se discutir em um debate amplo e franco na sociedade, o aumento da responsabilidade de cada um com essa questão.

Até onde somos responsáveis individual e coletivamente por esse quadro desolador posto diante de nós ? Não estaremos dando tiros nos próprios pés, tiros na própria alma quando negamos a milhares de crianças o direito de ser criança ? Quando negamos a milhares de pessoas o direito de serem humanos, inteiros, completos, um dia criança, depois jovem, adulto e idoso, com seus direitos e deveres garantidos em cada etapa de suas vidas, fechando o ciclo que forma o ser humano integral, o ser humano cidadão ?

Saudações fraternas e ecológicas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tb sou uma doadora de esmolas,pq acho q a fome da criatura q está na minha frente esmolando ñ vai esperar q o mundo melhore,afinal fome ñ espera ñ,mata mesmo!Adorei o texto!Lendo a gente vê q ainda tem q tem muuuuuuuita coisa p ser feita!Mãos à obra!Bjo da bruxinha Mamá.